You are using an outdated browser. For a faster, safer browsing experience, upgrade for free today.

Desatenção que corrói lucros

Especial
Compartilhe essa Reportagem:

As perdas totais no varejo alimentar brasileiro ultrapassam os R$ 18 bilhões anuais, segundo estimativas da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Um total de 2.250 lojas de 1200m² poderiam ter sido abertas com esse montante. Entretanto, muitos supermercadistas ainda evitam tratar o problema de forma estratégica, agindo em várias frentes, porque fazer isso dá trabalho e custa dinheiro. Enquanto isso, seu lucro pode estar indo pelo ralo. Para mudar esse cenário e estimular o desenvolvimento do setor, a Agas e a R-Dias estão lançando o Programa RS 100 Perdas.
O pontapé inicial foi dado em live realizada no dia 22 de outubro, com a participação de quase uma centena de lojistas. O coordenador do Comitê de Prevenção de Perdas da Agas, Matheus Viezzer, foi um dos anfitriões do encontro online. “Essa é uma das principais dores do nosso negócio. Queremos melhorar nossos processos e conscientizar a todos. Tem empresa que quebra mais do que dá resultado e fica torrando promoção para recuperar. Você precisa amadurecer o negócio como um todo ou será superado por quem se dispõe a fazê-lo”, avisa. 
Ele reconhece que muitos evitam o assunto, pois acreditam que o custo não compensa. “Sua despesa de apuração não pode ser maior do que a da perda. Isso é compreensível. Há muito trabalho de capacitação, conscientização e resolução de disputas de poder no andamento. Mas é possível ter resultados acima de 9% no Ebitda (lucro operacional de uma empresa antes de descontar juros, impostos, depreciação e amortização). Mensuração vai dar ganho na última linha, é certo”. 
De acordo com Alexandre Ribeiro, fundador da R-Dias Assessoria para Varejo, é difícil reduzir perdas porque, como se trata de um tema complexo e multidimensional, envolvendo o fator humano, processos e informação, muitos varejistas o consideram uma barreira quase intransponível. Se há muitas áreas envolvidas, muitos processos que precisam ser corrigidos, muitas pessoas que precisam de atitude, o problema deixa de ser de um indivíduo da portaria, de um comprador, de um gerente de loja, de um encarregado de hortifrúti ou de açougue.”

AGENDA ESTRATÉGICA
A prevenção de perdas deve estar na agenda estratégica da organização, ou seja, necessita receber a devida atenção do dono da empresa, vindo como determinação de cima para baixo. A equipe encarregada da área responde diretamente a ele. No vácuo, muitas iniciativas perdem sustentação. “E o pior: não é raro o empresário tratar das perdas como algo natural com o qual se tem que conviver, mesmo apresentando um índice muitas vezes acima de 3% de perdas totais”, acrescenta Ribeiro. Segundo diz, perdas acima de 1,8% em supermercado devem acender a luz e ligar a sirene. É a hora de aumentar a eficiência para ter mais lucros. A média nacional para 2023 foi 1,79%.
O varejista deve compreender que a redução de perdas é fundamental para aumentar sua competitividade no mercado. Em muitas ocasiões, enfrentar um novo concorrente pode resultar em margens de lucro temporariamente reduzidas. No entanto, se a empresa não estiver gerando um lucro líquido significativo, corre o risco de operar no vermelho com essa estratégia. “É neste ponto que a redução de perdas se revela crucial. Além de contribuir para melhorar os resultados finais, ela cria uma margem de segurança que permite enfrentar a concorrência sem correr o risco de prejuízo”, ressalta o especialista.

FRONTEIRAS DA EFICIÊNCIA
O projeto RS 100 Perdas pretende reunir centenas de redes, numa ação de alto impacto. Haverá webinars, palestras, artigos e premiação dos melhores do Estado em redução das perdas. O programa foi construído com conteúdo técnico e aplicações práticas para contribuir com o fortalecimento dos supermercadistas, independentemente do porte. “A perda envolve várias áreas, ela ajuda o departamento comercial a não adquirir produto que não vende o suficiente, analisa a precificação, produz indicadores. Você vai desenvolvendo processos e pessoas vão cuidando deles como se fossem o dono”, garante Viezzer. 
A iniciativa tem uma filosofia: que varejistas decidam com dados, cresçam com conhecimento e lucrem com menos perdas. A 
R-Dias desenvolve com os varejistas a dinâmica das fronteiras da eficiência para atingir níveis de Ebitda superiores. A primeira fronteira envolve controles de entrada e saída. A segunda, inventários estruturados e processos descritos. A terceira, responsabilização e engajamento. A quarta trabalha inteligência, técnicas operacionais e comerciais. “No varejo nada se conquista aos montes. Tudo vai aos poucos, passo a passo, percentual a percentual. É fácil perder, mas tortuoso conseguir avançar. São 5400 rotinas operacionais de loja, é muito complexo”, lembra Ribeiro.

LUCRO CORROÍDO
Segundo o diretor da consultoria de gestão para varejo GestOV e instrutor da Agas, Gustavo Fauth, as perdas afetam a lucratividade a ponto de superarem os lucros. Quando não tem nenhuma ação e preocupação, um supermercado pode estar perdendo entre 4% e 5% da venda bruta. No primeiro ano de execução com uma equipe de Prevenção de Perdas (PP), o índice reduz a 2,5% ou 3,5%. Um trabalho prolongado consegue ficar entre 0,9% a 1,2%, bem abaixo da média nacional.
Segundo a pesquisa de Eficiência Operacional da Abras, a maior parte das perdas estão na quebra operacional nestas três principais áreas: vencimento por prazo de validade, avarias e produtos que se tornam impróprios para o consumo, sendo o hortifrutigranjeiro (FLV) e flores as maiores perdas percentuais. Há também muito erro em promoções desnecessárias, sacrificando margem em produto que já iria vender. “São consequências da falta de planejamento e inteligência comercial para fazê-las. As empresas precisam usar mais seu CRM”, argumenta.
Como trabalhar essa cultura na empresa? No entendimento de Fauth, um passo é promover palestras de conscientização demonstrando como as perdas acontecem e a responsabilidade de cada um, criando um propósito nas pessoas. “O desperdício encarece o preço”, lembra. “Tudo começa na entrada do funcionário que, assim como recebe informações da empresa no Boas-Vindas, deve receber uma carga de informação e o que se espera dele em relação a perdas, no que ele pode contribuir fazendo o que ela irá fazer, entre outras ações que um bom endomarketing pode fazer.”

OLHO NOS PERECÍVEIS
Henrique Oyarzabal, diretor da consultoria de varejo Expandir e instrutor da Agas, auxilia na gestão de vários supermercados de pequeno porte. Esses empresários despertam para o problema quando não percebem a rentabilidade de suas ações. Os maiores problemas estão nos perecíveis, principalmente no hortifrúti e na padaria. “No hortifrúti ocorre compra em excesso, o que faz aumentar consideravelmente o percentual de perdas, quando não se tem um trabalho de reaproveitamento por exemplo. Se a balança fica no caixa, é comum haver prejuízo pelo erro de identificação do produto, precificando a menor. Na padaria, as perdas estão muito ligadas à produção superior à demanda.” 
Oyarzabal esteve na feira de Tramandaí palestrando sobre o tema e deixou claro que prevenir perdas é mais do que olhar indicadores: é uma mudança de postura. Para o pequeno lojista, o funcionário precisa mesclar as funções de agente de PP e estoquista, por exemplo. “Tudo começa nos pequenos detalhes. Esse profissional vai selecionar os insumos que a padaria vai usar e registrar a perda”, explica. “Já tive cliente reportando furto de mercadoria por falta de controle no processo de transferência de produtos a filiais. Isso precisa ser feito por nota fiscal e caminhão lacrado, com pedido conferido de ponta a ponta.”
A precificação que não leva em consideração a diferença entre margem bruta e líquida é outra geradora de perdas. Tentar copiar concorrentes e gerar fluxo somente com base em promoções aumenta as chances de dificuldades no caixa. “O cross merchandising é que faz valer a pena os dias de ofertas e promoções, porque os produtos que acompanham os promocionados recuperam o aperto dado na margem. Mas para isso o varejista tem que saber o que vende mais com aquele sabão em pó, aquela cerveja”, frisa.

TRABALHO INICIADO
No Supermercado Santa Rita, em Porto Alegre, o trabalho de redução de perdas surgiu há um ano, como um processo natural de evolução da loja de 16 check-outs, 130 funcionários e 2 mil m² de área de vendas. “É uma questão imprescindível para manter a competitividade”, explica o diretor Danilo Tiziani Jr. Um dos principais escoadouros de renda não foi nenhuma surpresa: FLV.  “A sazonalidade dos produtos precisa ser acompanhada com muita atenção, e uma forma de dirimir o prejuízo é com o monitoramento de perdas.”
Por menor que seja o estabelecimento, ele sempre conta com um sistema de gestão. E é a partir desta ferramenta que muitos conseguem implantar a gestão de perdas, partindo do armazenamento e organização de dados, bem como smartphones para implantação das rotinas. O Santa Rita contou com o sistema de ERP alinhado com a equipe e a cultura de processos internos da loja para tocar o programa adiante. O monitoramento é feito alinhando o controle semanal dos funcionários, juntamente com o controle da gerência. Por enquanto, o índice de perdas no FLV está em 4%, mas a empresa planeja utilizar mecanismos ainda mais sofisticados para chegar ao ideal.

REDUÇÃO NA PRÁTICA
A R-Dias trabalhou para reduzir perdas na rede de Supermercados JB, com nove lojas em Minas Gerais. O índice estava muito acima do recomendado (1,7% ou menos). O primeiro passo na dinâmica de ações foi a conscientização geral, de cima abaixo, de cumprir todos os processos propostos. O segundo passo foi estabelecer metas exequíveis. O terceiro foi mudar os principais paradigmas relacionados ao assunto: tratar a questão como tema estratégico; vendas precisam ser eficientes; tolerância zero às perdas e foco na inteligência e responsabilização. Houve queda de 1,3 pontos percentuais na área. De acordo com o diretor executivo, José Mário de Castro Bernabé, o Nino, “o mapeamento e redesenho de processos exigiram muito trabalho. “O mais difícil na nossa rede era colocar em prática tudo isso. A divisão de responsabilidade, o monitoramento, a conscientização e o engajamento da equipe são grandes desafios que a gente enfrenta”, alerta.
Na rede Dalben, de Campinas (SP), a questão recebia atenção, mas sem regras bem determinadas. As pessoas cuidavam de diversas atividades, inclusive de perdas, e os resultados acabavam mascarados, totalmente fora do padrão. A empresa apurava algo em torno de 0,2% ou 0,3% enquanto a média do mercado ficava entre 2% e 2,5%. “Começamos a reestruturação pela questão organizacional, contratamos um gerente, organizamos a equipe que trabalharia no setor de inteligência para averiguar todo e qualquer lançamento feito no sistema e fizemos um trabalho setor a setor, principalmente nos pontos que são mais críticos como açougue, frios, padaria e FLV”, explica o gerente de Projetos e Planejamento estratégico, Cassiano Gomes. A R-Dias ainda auxiliou nos treinamentos operacionais para evitar desperdícios. Resultado: redução de 55% nas perdas. O grupo fechou o ano com índice de 1,5%.

Recursos tecnológicos mais amplamente adotados para o ganho de eficiência operacional

Coletor de dados para realizar inventário (95,2%); Circuito fechado de TV (94,5%); Coletor no recebimento (89,6%); Alarmes de acesso (87,1%); Rádios comunicadores (80,3%); Central de monitoramento de imagens (77%); Cofre inteligente (72,5%)

Soluções e controles de processo mais amplamente adotadas para o ganho de eficiência operacional

Contagem, análise e tratativa dos produtos com estoque negativo (95,1%); Controle detalhado de recebimento (94,5%); Análise e validação das divergências (93,9%); Medição de temperatura (93,2%); Apuração do resultado do inventário após contagem (89,5%); Auditoria periódica e permanente de validade nas lojas (88,9%); Procedimento de preparação e execução de inventário (88,3%)

Atividades mais amplamente adotadas para ganho de eficiência operacional

Tratamento em prevenção de perdas para colaboradores (84,9%); Definição de metas de perdas, controles e planos de ação (82,2%); Controles sanitários com auditorias terceirizadas (74,1%); Processos mais cuidadosos de recrutamento e seleção (70%); Comunicação de prevenção de perdas (69,6%); Área de inteligência e investigação para suspeitos e denúncias (56,8%)

 

Fonte: Abras

Compartilhe essa Reportagem:

Faça um Comentário