Tecnologia para transformar o varejo
Natural de Canoas, Leandro Balbinot iniciou sua carreira na HP, foi CIO da Lojas Renner, diretor global de TI da AmBev (Bélgica) e vice-presidente sênior de tecnologia digital na Kraft Heinz e no McDonald’s (EUA). Atualmente, ocupa o cargo de CTO da Whole Foods Market, rede de supermercados adquirida pela Amazon, onde também atua como vice-presidente de Tecnologia. Esta entrevista foi concedida durante o South Summit Brazil.
Qual o comparativo que você traça entre o uso de Inteligência Artificial no varejo americano e no varejo brasileiro?
A intenção do uso é a mesma, tanto lá como aqui. Os varejistas querem tecnologia que os ajude a aprimorar serviços. As diferenças residem no acesso ao capital e acesso à infraestrutura. As empresas brasileiras ainda percebem as soluções de IA como algo muito caro. Você precisa ter um business case no qual a adoção dessa tecnologia realmente dê retorno, especialmente aqui no Brasil, onde, por questão até de sobrevivência, há uma urgência maior de resultados. Acredito que, no cenário atual, a ferramenta ainda não está entregando resultados na velocidade que se precisa. É muito investimento para aprender a usá-la, muitos experimentos para chegar a um resultado. As empresas brasileiras têm mais receio de investir muito porque sabem que o retorno não é tão imediato.
Sua observação corrobora pesquisas que elencam os motivos pelos quais muitos empresários ainda relutam em adotar tecnologias disruptivas: falta de recursos, falta de tempo de planejamento, falta de conhecimento técnico e insegurança quanto ao ROI.
Exatamente. Quando você está em fase de crescimento e sua empresa tem recursos para investir no longo prazo, a Inteligência Artificial pode ser uma boa alternativa. Dá para testar vários modelos, vários agentes, tentar automatizar algumas tarefas. Mas se você precisa de um retorno para amanhã, é muito cedo para apostar na IA no modelo de GenIA (que simula a criatividade humana gerando conteúdo original). Estamos falando de ferramentas que substituem a tarefa de pessoas e tomam decisões por conta própria. É um modelo muito inovador. Como expliquei em minha palestra no South Summit, é como se você tivesse uma orquestra, onde as pessoas compõem um time harmônico com a IA. O agente tecnológico, tendo uma dúvida, pergunta para a pessoa e ela responde, numa conversa. Só que ainda estamos numa fase inicial: a tecnologia ainda apresenta problemas, não responde totalmente certo, é preciso revisar constantemente o trabalho, fazer muitos testes. A ferramenta pode tomar uma decisão completamente maluca, que vai contra o que seu cliente quer. Mas isso vai mudar em breve, com a evolução dos modelos e dos resultados. Em 2026 ou 2027 teremos evoluções bem transformadoras. São setores que avançam bastante. Estamos vendo, em testes nos nossos negócios, lá nos Estados Unidos, resultados bem interessantes: estamos conseguindo deixar a IA trabalhar como se fosse uma pessoa. Mas de forma alguma sem a presença do homem: o ser humano é muito importante, porque ele precisa validar o trabalho. O ser humano é o maestro da orquestra. Ele gerencia os resultados, que devem aparecer numa velocidade muito maior do que antes.
Você considera uma boa ideia incentivar parcerias entre supermercados e startups para o desenvolvimento de projetos-piloto, evitando desperdício de recursos, podendo testar ideias em determinados nichos?
Dei uma palestra na AmCham sobre open innovation, que é inovar usando startups. É o futuro: não tem como inovar hoje em dia só dentro de casa. Você tem que conversar com as startups, até porque para começar algo do zero é muito caro. Além disso, provavelmente a inovação que você busca já está em desenvolvimento por uma empresa com expertise bem maior no assunto, e ela já tem algo pré-pronto. Sou muito favorável a esse modelo. O problema da open innovation é o seguinte: a startup teme fazer soluções customizadas demais, ficando restrita a um cliente, e teme ser copiada por uma empresa maior. São considerações pertinentes nesse contexto. A necessidade é que faz a inovação. As empresas estão interagindo mais, isso é bom, criando uma conexão maior entre as duas pontas. O Instituto Caldeira faz isso muito bem.
É comum que se utilize o verbo “revolucionar” quando se fala em tecnologia. Mas o que representa mesmo uma revolução?
Todo mundo está cansado da conversa da tecnologia que vai vir revolucionar. É compreensível. Mas este modelo novo de IA realmente tem a capacidade de mudar muito o modo de sua empresa operar. Imagina que você coloca um grupo de agentes tecnológicos interagindo com humanos. Eles são como funcionários muito experientes, que conhecem muito de toda a indústria, mas não sabem nada da sua empresa. Você os implementa no sistema e treina-os com seus dados, eles vão melhorando e se tornando excelentes para o seu contexto específico. Essa evolução vai transformar a IA em algo que traz soluções muito corretas. Pensa que você poderá ter vários agentes dessa natureza muito bons trabalhando no seu time. Fora que a IA é muito criativa, vai trazer ideias que você não teve. Há negócios que quando desejam criar um produto novo perguntam para a Inteligência Artificial o que criar. Hoje talvez esteja cedo para se pensar nisso de forma tão ampla, mas vai acontecer. Há um potencial de revolução que outras coisas não tinham, como blockchain, por exemplo. É algo semelhante à internet quando ela foi criada. Hoje o e-commerce só existe por causa dela.
O modelo de negócios da Amazon expandiu focado em oferta de preços menores que a concorrência, entrega rápida e venda de todos os produtos possíveis. Mas o e-commerce supermercadista continua tendo impacto residual ou muito baixo nos faturamentos. O que é preciso fazer para melhorar esses resultados?
Os três fundamentos do varejo não mudam e não irão mudar nos próximos 30 anos: sortimento, preço e conveniência. A Amazon trabalha com isso. O que acontece no mercado de groceries: dificuldade de entrega, ou seja, de conveniência. O cliente compra num dia e recebe no seguinte, ou mais tarde ainda. A seleção também é complicada, nem tudo no sortimento da loja está disponível para escolha nos sites. Mas isso já está evoluindo de modo a ficar tão bom quanto o varejo de outros produtos. A entrega já melhorou também, com hora marcada, poucas horas depois da compra, por meio de rotas dinâmicas. E o preço está reduzindo: o modelo de assinatura elimina custos de entrega.
Como a Whole Foods se beneficiou desse ecossistema da Amazon?
Porque a Amazon comprou a Whole Foods? A verdade é que a loja física sempre vai existir no varejo, porque o cliente quer assim. Mesmo nos Estados Unidos, a venda online de alimentos só chega a 15%, ainda um percentual baixo comparado a outros produtos. A Whole Foods é uma rede especialista em experiência de compra. O que ela utiliza da Amazon? Toda a inteligência de entrega e venda online. Estamos criando lojas nas quais o cliente pode ir comprar tudo o que deseja, e se não encontrar algo, pedir online e quando chegar em casa já estar lá o pedido. É uma experiência multicanal perfeita. Não acho que todo mundo vai se voltar para a venda online, mas a tendência de crescimento online é evidente. Acho que a relação vai ficar 70% loja física a 30% loja virtual.
Você já disse em entrevistas que o modelo de negócios do Whole Foods não era aplicável ao Brasil porque faltam fornecedores que atendam às exigências da bandeira. Continua assim?
Nós queremos crescer globalmente. O Brasil poderia produzir produtos que vendemos em nossas lojas. O que falta aqui é um modelo confiável de certificação de fornecedores. Veja bem: a gente se compromete com o cliente. Garantimos a ele que o nosso produto é orgânico, natural, e não possui nada de uma lista de 300 ingredientes que proibimos, incluindo adoçantes, corantes, aromatizantes, conservantes sintéticos e outros aditivos. Precisamos ter a certeza de práticas orgânicas no cultivo de alimentos, de cuidados com os animais. Se aparecer no país uma certificação confiável, vai ficar muito mais fácil. O que temos feito para driblar esses problemas? Estamos desenvolvendo produtores locais para trabalhar em conformidade com os padrões norte-americanos. É assim com o cacau no Brasil: estimulamos o produtor a se certificar nos Estados Unidos. Assim podemos comprar dele, ainda que seja para a venda lá.
Como a Whole Foods cresce nos Estados Unidos? O nicho de compradores não é limitado?
O mercado consumidor de orgânicos cresce muito no mercado americano. Hoje em dia, o produto orgânico está disponível em qualquer supermercado. E o preço não é muito diferente dos produtos convencionais. O que causa elevação de preço é a falta de escala. Quando você dá escala à produção de orgânicos, você os faz tão baratos quanto os demais. O problema é quando a produção é nichada, com uma fazendinha aqui e outra lá. Pouca quantidade aumenta preço. Prosperamos nos Estados Unidos porque conseguimos deixar um preço competitivo. Aí o cliente acaba preferindo a gente: se ele pode consumir algo melhor, pagando o mesmo, fica conosco. Desde que a Amazon comprou a rede, há sete anos, crescemos 40% em vendas. Só no último ano foram 12%. Estamos entrando com marcas próprias e ofertas vantajosas para qualquer família. O cliente se acostuma ao padrão e começa a buscar produtos mais saudáveis e naturais.
É possível replicar essa experiência no Brasil?
O cliente brasileiro é parecido com o americano. Estou vendo esse crescimento dos saudáveis aqui também. O preço ainda é uma barreira. Itens orgânicos aqui ainda são muito caros, porque a escala é pequena. As próprias lojas de nicho, especializadas, têm dificuldade de penetração e crescimento por causa disso. Existe uma demanda maior que a oferta. Mas a agricultura no país está evoluindo bastante e pode se tornar uma prática regenerativa e de qualidade. Há oportunidades a serem aproveitadas.