You are using an outdated browser. For a faster, safer browsing experience, upgrade for free today.

Desafios e incertezas

Negócios
Compartilhe essa Reportagem:

Fatores como resiliência e a capacidade de atrair novos mercados consumidores serão decisivos para mitigar os impactos do tarifaço na economia

A imposição de uma taxa de 50% sobre produtos brasileiros nos Estados Unidos, pelo presidente Donald Trump, em vigor desde 6 de agosto – conhecida como tarifaço –, tem gerado discussões intensas sobre seus desafios e consequências. Apesar da exceção de cerca de 700 itens, a medida gera impactos na economia nacional. Logo, a capacidade de adaptação e a busca por novos mercados tornam-se decisivas para mitigar seus potenciais desdobramentos.

Para o economista e CEO da Bateleur, Fernando Marchet, o tarifaço do presidente Donald Trump envolve diversos fatores. A medida visa a, principalmente, reverter a perda de relevância industrial dos EUA, que se acentuou a partir dos anos 2000 com a ascensão da China e que já vinha ocorrendo desde os anos 80 em relação a Japão e Alemanha. Dentro do chamado “America First”, Trump busca a reindustrialização do país. Uma segunda finalidade é reduzir o déficit comercial (quando o país importa mais bens e serviços do que exporta), visto que a economia americana tem um alto consumo interno. Outro propósito das tarifas é o aumento imediato da fonte de receita para o governo, que hoje tem a sua maior dívida nacional da história. “Embora goste de jogar nos extremos e manter um discurso forte, Trump é pragmático”, analisa Marchet. Ele acredita que o presidente dos EUA manterá o discurso geral das tarifas, mas flexibilizando-as pontualmente em cima de produtos que sejam óbvios e conforme as pressões industriais ou empresariais de setores específicos para evitar impactos negativos na sua economia local.

Além disso, a imposição de uma tarifa de 50% ao Brasil também possui um cunho punitivo e político. A alíquota é a mais alta já cobrada pelos EUA. Esta medida seria uma resposta à aproximação do Brasil com a China e a discursos que sinalizavam um possível afastamento das relações de longo prazo com os EUA, como o debate sobre a criação de uma moeda alternativa ao dólar entre os BRICS. “Para Trump, a política não é sobre afinidades pessoais no curto prazo, mas sim sobre benefícios de médio-longo prazo nas relações com os Estados Unidos, incluindo parcerias em tecnologia, armamentos e inteligência artificial. Ele não deseja que um país estratégico como o Brasil flerte com o outro lado”, analisa.

PERSPECTIVAS BRASILEIRAS

Para o economista Ricardo Amorim, o tarifaço de Donald Trump tem impacto limitado para o Brasil, mas com lições globais profundas sobre comércio e produtividade. Em comentários recentes, ele destacou que a tarifa de 50% afeta apenas 36% das exportações brasileiras para os EUA (cerca de US$ 18 bilhões), representando no máximo 0,6% do PIB nacional, e que grande parte desse volume pode ser redirecionada para mercados como China e Argentina, como já observou no fortalecimento do real desde a implementação da política. 

Amorim critica veementemente a estratégia trumpista, chamando-a de “tiro no pé” e um dos maiores mitos econômicos, pois tarifas altas reduzem a produtividade ao forçar países a produzir ineficientemente o que outros fazem melhor, invertendo o modelo que enriqueceu os EUA com comércio livre – onde a alíquota média de importação saltou de 2% para 15% sob Trump, ameaçando até a estabilidade do dólar. 

Ele aponta efeitos colaterais nos EUA, como inflação impulsionada pela escassez de mão de obra imigrante (queda de 45% na agricultura) e tarifas que encarecem importados, beneficiando ironicamente o turismo europeu em detrimento do americano, e alerta que o Brasil deve responder com diversificação, apoio setorial e controle fiscal, evitando gastos extras que agravam déficits. 

IMPACTOS PARA A ECONOMIA GAÚCHA

Conforme o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Claudio Bier, “a indústria gaúcha foi uma das mais penalizadas pelas tarifas, apesar das exceções anunciadas pelo presidente Trump”. “O mercado norte-americano é o principal destino das exportações de produtos industriais do nosso Estado. Em agosto, primeiro mês da taxação, as exportações do Rio Grande do Sul, de uma forma geral, para os Estados Unidos, caíram 19% frente ao mesmo mês do ano passado, e segmentos como produtos de metal, transformadores, madeira, móveis, tabaco e calçados, por exemplo, estão com muita dificuldade de manter seus clientes no mercado americano”, comenta Bier.

Já sobre os reflexos na ponta final, o presidente da Fiergs diz que “a queda de preços em alguns produtos nos supermercados brasileiros, em um primeiro momento, se dá mais por conta da redução dos preços de algumas commodities, como grãos, pela valorização da taxa de câmbio no Brasil e também pela queda nos preços dos combustíveis. Porém, com a perda do mercado internacional, muitas indústrias deixarão de produzir ou reduzirão a produção”. Bier mostra preocupação, pois “essas tarifas criaram uma insegurança no mercado, paralisando negociações e adiando investimentos, o que amplia a incerteza sobre o futuro da atividade industrial.” As projeções são negativas para o cenário gaúcho: “A consequência, em alguns casos, deverá ser aquela que nenhum empresário gosta de ver: fechamento de vagas e demissões. É uma cadeia na qual ninguém ganha, só há perdas. Sem emprego, as pessoas perdem renda e há menos consumo, o que afeta diretamente os supermercados.”

FUTURO DE INCERTEZAS

As consequências do tarifaço dependem de múltiplos fatores, como o tipo de produto, a capacidade de substituição por outros países e a dinâmica das negociações em toda a cadeia global. “A incerteza se estende aos países afetados. Commodities podem se direcionar para outros mercados, mas esses mercados podem estar em negociação com os EUA, que poderiam exigir a compra de produtos americanos em troca de redução de tarifas”, explica Fernando Marquet.

Ele alerta que o maior risco para o setor supermercadista brasileiro não vem das tarifas de Trump, mas da própria economia local. “O principal desafio para o varejista brasileiro reside nas políticas econômicas internas, especialmente o desarranjo fiscal e as altas taxas de juros, que impactam diretamente o poder de compra e o ambiente de negócios”, pontua.

Diante desse cenário de indefinições, a primeira expectativa é que os países busquem outros parceiros comerciais, abrindo novas janelas de negociação. É estratégico, também, batalhar por negociação com os EUA a fim de tentar entrar no campo das exceções, especialmente para setores onde a realocação para outros mercados não é simples, segundo Marchet. “A análise deve ser um passo de cada vez, reavaliando constantemente os acordos e rearranjos entre os países, pois a matriz comercial está sempre sendo mexida”, pontua Marchet. Em suma, a política de tarifas de Trump é um fenômeno de múltiplas camadas, com objetivos de curto e longo prazo, e impactos que se desdobram em diversas cadeias produtivas e relações internacionais. A incerteza é a palavra-chave, e a solução dos problemas demandará tempo e negociações constantes.

 

Compartilhe essa Reportagem:

Faça um Comentário