Não espere a reforma: aja agora
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Ricardo Amorim abordou em sua palestra na ExpoAgas 2025 os impactos da Reforma Tributária em diversos setores, oferecendo insights cruciais para os supermercadistas. Formado pela USP e com vasta experiência em mercados globais, é colunista em diversas mídias, como a GloboNews. Nesta entrevista, ele provoca o varejo a se preparar para as mudanças e compartilha estratégias.
A expectativa dos setores produtivos para a Reforma Tributária (RT) é a de que ela resultasse em simplificação de processos e redução de carga. Teremos isso?
Na indústria, sim para os dois. Na maior parte dos outros setores, sim para a simplificação, mas certas áreas verão até aumento de carga. A redução de carga acontece quando você tem setores que tinham imposto em cascata. O que muda significativamente na Reforma é a possibilidade de você ter um crédito tributário a partir de pagamentos de impostos que aconteceram dentro da sua cadeia produtiva. Num exemplo concreto: o Brasil é o maior produtor e exportador mundial de café, mas é importador de cápsulas de expresso. Uma das razões pelas quais nós fazemos isso é que, em nosso regime tributário atual, a diferença de preço entre o café em grão e a cápsula é de 37 vezes. Só que o imposto que você paga se você for manufaturar hoje sobe 97 vezes. Isso vai deixar de acontecer, exatamente por conta do crédito tributário. A possibilidade para o Brasil é agregar mais valor na cadeia. Como temos uma enorme vantagem na produção de alimentos, a grande oportunidade da Reforma é tornar o Brasil mais parecido com o Chile. O Chile já foi grande exportador de uvas, depois começou a exportar vinhos baratos e hoje exporta vinhos finos. Para a mesma uva, o valor do produto no final da cadeia produtiva é muito maior. Precisamos fazer o mesmo. Na RT, a redução de carga tributária da indústria será compensada por um aumento de carga tributária no setor de serviços.
Você mencionou que a Reforma Tributária é neutra em arrecadação. Como assim?
A neutralidade da RT é um jogo de soma zero: a indústria pagará menos, o agronegócio um pouco mais, e o setor de serviços, que emprega 6 de cada 10 brasileiros, arcará com um aumento significativo de custos. Para compensar esses 30% a mais, o varejo precisará de ganhos de produtividade de 3% ao ano, algo que historicamente não conseguiu. As opções são repassar custos aos preços, o que eleva a inflação, ou reduzir mão de obra, gerando desemprego. Provavelmente, veremos um mix disso, com margens de lucro menores. A neutralidade também favorece União e municípios, mas prejudica os Estados, o que pode levar a novos impostos em setores com benefícios fiscais, como o varejo.
Você destacou a falta de reformas estruturais. Como isso impacta a carga tributária que os supermercadistas enfrentam?
O defeito central da Reforma é que ela foi desenhada para bancar gastos públicos elevados, sem atacar problemas estruturais. A Reforma Administrativa deveria vir antes: funcionários públicos ganham, em média, o dobro do setor privado para funções similares, o que é injusto, dado que já têm estabilidade e previdência mais vantajosa. A Previdência, criada em 1965, vai se tornar insustentável. A expectativa de vida pós-aposentadoria saltou de 8 anos para 24 anos de lá para cá, e a natalidade caiu de 8 filhos para menos de 2 filhos por mulher. Faltará gente na ativa para sustentar os inativos. Programas sociais também agravam o problema: 12 dos 14 programas brasileiros tiram do pobre para dar ao rico, como a gratuidade de universidades públicas onde os filhos dos ricos estudam, custando R$ 1 trilhão por ano. Cortar esses gastos reduziria a carga tributária, mas é politicamente inviável.
De 2011 a 2020, o Brasil enfrentou a pior década em 120 anos em termos de crescimento econômico. O crescimento do PIB ficou em apenas 1,4% ao ano. Na última vez que o senhor esteve aqui, avisou que o país estava envelhecendo antes de ficar rico. Ainda estamos neste caminho?
O Brasil de fato está ficando velho antes de ficar rico. Contudo, nos últimos cinco anos, o desempenho da economia brasileira surpreendeu e foi maior do que imaginávamos. Isso tem a ver com as condições externas. A economia brasileira cresce mais do que o esperado sempre que duas situações estão presentes. A primeira é uma alta dos preços de commodities. Sendo um grande exportador de alimentos, desfrutamos dessa vantagem. A segunda é uma grande disponibilidade de capital no mundo: como nossa taxa de juros é alta, atraímos capital assim. A consequência é que, em média, o crescimento da economia brasileira foi dois pontos percentuais maior do que as projeções feitas no início dos últimos anos. Meu palpite é que seguirá assim em 2025 e 2026. Além disso, não garanto. O desempenho não é uma conquista de mérito próprio, é decorrência dos fatores externos. Eles não ajudarão eternamente. Ficar rico antes de ficar velho depende de a gente fazer a nossa parte, o que não está acontecendo. Dizem que somos o país do voo da galinha. Mentira. Somos o país do voo da pipa. A galinha voa pouco, mas graças às próprias asas. O Brasil depende dos ventos. Acabou o vento, a pipa cai. Nós não definimos nosso tempo de voo. Para fazer isso, precisamos reduzir o peso do Estado no setor produtivo, melhorar a produtividade de mão de obra, ter mais automação e um monte de coisas que passam por educação que nós não estamos fazendo.
O “tarifaço” de Donald Trump foi um tema quente. Como ele afeta os brasileiros?
O tarifaço de Trump tem impacto limitado no Brasil. Apenas 12% das exportações brasileiras (ou cerca de 1,9% a 2% do PIB) têm os EUA como destino e 36% desse total é afetado de forma crítica. Isso significa que, mesmo com tarifas elevadas, o impacto macroeconômico é diluído. O PIB brasileiro pode cair 0,25% este ano e 0,35% no próximo, mas para o varejo há um lado positivo. A desvalorização do real e a inflação abaixo de 4,5% aumentam o poder de compra dos consumidores, equivalente a um aumento de renda. Isso beneficia supermercados, especialmente em bens de consumo não duráveis. Setores como pescados e sucos de frutas podem sentir mais, mas o impacto geral é gerenciável. O tarifaço é um artifício de cunho mais político do que econômico, usado por Trump para barganhar, mas não muda o jogo para o Brasil.
Você comparou o impacto da Inteligência Artificial à eletricidade. Como os supermercadistas podem usar a IA?
Estamos vivendo a maior transformação tecnológica desde a invenção da eletricidade, com a IA generativa, que está apenas há dois anos e meio entre nós. Para os supermercadistas, a Inteligência Artificial é uma ferramenta poderosa para aumentar a produtividade, essencial diante dos desafios da Reforma. Na prática, recomendo criar pastas completas com dados do negócio – vendas, fornecedores, custos – e usar a IA para análises detalhadas. Diferentemente da comunicação sintética do Google, a IA exige contexto rico. Se você fornecer informações detalhadas, ela pode responder perguntas complexas, como prever impactos tributários ou otimizar preços, com resultados surpreendentes. O maior erro é ter vergonha de usá-la – a IA faz o que você pede, então mude a mentalidade e integre-a ao planejamento. Pessoas perderão empregos, mas empregos novos surgirão. Vou fazer uma comparação: tenho chance de vencer Usain Bolt numa corrida? Sim, desde que eu esteja de carro e ele a pé. Quem estiver utilizando a IA nos seus negócios será o competidor motorizado. Caso contrário, você precisará ser o Usain Bolt para ter alguma chance.
Qual é a sua mensagem final para os supermercadistas que querem se preparar para o futuro?
Aja agora. A Reforma Tributária é complexa, mas traz oportunidades para quem se planeja. Entenda como ela afeta sua cadeia de suprimentos e fluxo de caixa, especialmente com o split payment e a nova tributação. Aproveite o aumento do poder de compra dos consumidores, mas prepare-se para margens mais apertadas. O futuro do varejo depende de quem transformar desafios em estratégias, e a hora de começar é hoje. Use a IA para analisar dados e prever impactos – ela é uma aliada, não uma ameaça. Apesar de seus muitos problemas, a economia brasileira tem respondido melhor do que as pessoas imaginam. Quando a gente tem desempenho econômico mais forte e grandes mudanças, para quem estiver preparado surgirão as melhores oportunidades.
